Como é que se ri na África?

















































































Querendo fazer algo útil para as populações dos países em desenvolvimento optamos por se concentrar na África porque tínhamos viva a experiência de Simone Canova e seu grupo em Burkina Faso e também, devido a vários outros fatores, sempre tivemos interesse pela África.
Especificamente, com Laura Malucelli escrevi um livro: Escravos rebeldes que conta a resistência contra os escravistas e as revoltas dos escravos na América. Além disso, tem um ano que estamos gerenciando um grupo de estudos sobre as lutas dos escravos no Brasil, histórias incríveis das quais sabemos muito pouco, onde dezenas de milhares de escravos conseguem derrotar o exército Português, resistir por quase um século em Benares defendendo um grande território e uma cidade. Diferentemente do que aconteceu com outras rebeliões de escravos, no final, os negros brasileiros não foram exterminados.
Quando eles percebem que não podem resistir por muito tempo contra as novas armas da Europa, fogem para a floresta amazônica, e nela, literalmente desaparecem por dois séculos e meio. Tendo sido então “descobertos” por alguns antropólogos na década de 50, ainda prontos para lutar porque desconheciam o fim da escravidão.
Ficou a definir, que tipo de projeto tentar realizar.
Dadas as nossas capacidades e experiências, especialmente referentes a todas as formas de comunicação e entretenimento, decidimos que convinha concentrar o nosso trabalho em duas questões em simultâneas.
Por um lado, poderíamos ser uteis recolhendo e divulgando informações sobre métodos comprovados pelas organizações de solidariedade no campo da tecnologia ambiental.
Através do Novo Comitê O Nobel para pessoas com mobilidade condicionada Onlus, financiamos um grupo de trabalho que desenvolveu o livro, Ecotecnologias (de baixo custo) para todo o mundo, texto que estamos distribuindo gratuitamente para centenas de organização sem fins lucrativos e que estamos traduzindo em várias línguas (ampliando-o continuamente, graças às informações que recebemos de muitos).
Por outro lado, decidimos dar vida a uma experiência do tipo teatro informativo, cujo o objetivo é difundir nas aldeias algumas soluções de tecnologias ecológicas.
Claro que imediatamente descartamos a ideia de sermos nós mesmos os únicos a decidir o que escrever, contar e recitar nos textos teatrais. Não faria sentido. Não temos experiência suficiente para decidir quais mensagens propor, não sabemos quais histórias poderiam apaixonar e emocionar, existe uma grande distância cultural que invalidaria qualquer tentativa nesse sentido, para não mencionar a barreira da língua: nas aldeias mais remotas se fala dialetos e, na melhor das hipóteses, o swahili, uma língua Bantu muito difusa.
Então decidimos colocar a nossa experiência a serviço dos grupos de teatro locais.
A primeira pergunta que fizemos a nós mesmos foi: existem nas aldeias mais isoladas grupos de teatro e seus cânones de narrativas tem pontos em comum com os nossos? A segunda pergunta é, como é que se ri na África? As primeiras informações sobre o assunto foram bastante desanimadoras.
Encontramos vídeos e histórias de muitas experiências de teatro, instrumento com grande difusão. Mas tratava-se, principalmente de espetáculos educacionais, sob um prisma do tipo Teatro dos Oprimidos. Uma forma muito eficaz de comunicação, com base na dramatização de situações simbólicas.
Os atores, geralmente nas ruas e praças, encenam discussões e desentendimentos entre marido e mulher ou entre professores e alunos, e envolvem o público no drama, pedindo às pessoas para tomar o lugar dos atores ou sugerir uma evolução para as situações. Experiências formidáveis em muitos aspectos, mas longe daquilo que sabemos fazer, o Teatro da Arte viaja em outras direções de comunicação, precisa de dispositivos narrativos, situações cômicas que levam ao extremo os cenários típicos, construindo parábolas e jogando com reversões e admiração.
Mas aprofundando o estudo, constatamos que também na África (como se supunha), há uma grande tradição da comédia, enraizada nas festividades das aldeias mais remotas, onde ainda resistem as tradições. Durante os casamentos e outras celebrações, o teatro cômico está sempre presente e existe inclusive uma figura muito semelhante ao nosso Arlequim. Ou seja, “tinha pão para a nossa fome”.
Tomadas as decisões, de modo geral, o problema continua, ou seja, definir como e onde construir essa experiência a partir de um ponto de vista prático. Começamos a usar a nossa rede de comunicação, perguntar aos amigos e leitores de nossos sites, fizemos circular a notícia e, em seguida, como muitas vezes acontece, quando conseguimos imaginar um bom projeto, uma série de oportunidade nos colocou no caminho dos Médicos com África, CUAMM e ENI, Fundação que trabalha com esta organização sem fins lucrativos e a financia.
Solicitamos uma reunião com Filippo Uberti e Stefano Cianca da Fundação ENI, descrevemos o nosso projeto e após verificar que havia interesse e disponibilidade para apoiar e financiar os custos desse empreendimento. Mais precisamente, em Moçambique, Palma, onde a Fundação ENI e CUAMM gerenciam um centro de saúde. Trata-se de uma área onde, em pequenas aldeias com cabanas, vivem cerca de 50 mil pessoas, que enfrentam grandes dificuldades todos os dias.
CUAMM oferece, gratuitamente, serviços de saúde e medicamentos, coordena duas salas de cirurgia com equipamentos modernos e uma casa dedicada às mulheres que estão para dar à luz.
Os médicos de CUAMM e funcionários da Fundação ENI explicaram-nos que seria muito útil para ajudar a divulgar a cultura de cuidados preventivos para a saúde.
Quando percebemos que o trabalho deveria ser realizado no norte de Moçambique, pareceu-nos uma coincidência muito auspiciosa.
Na pesquisa histórica que nós realizamos, muitas vezes nos ocupamos dos habitantes que povoam aquela região, onde a maioria é de etnia Macua, um povo de descendência San. Os mesmos sobre os quais nós escrevemos contando a resistência aos caçadores de escravos e rebeliões negras no Brasil (Moçambique era uma colônia Portuguesa). Então descobrimos que, em Macua é muito conhecido um arlequim negro, máscara através do qual os atores das aldeias brincam com estereótipos, inventando personagens e situações hilariantes e simbólicas.
Esta coincidência da presença de etnia San na área onde nos propuseram o trabalho foi apenas o começo de uma série de casos de divertidos.
Por exemplo, quando no início nós escrevemos no Facebook que estávamos procurando um intérprete de Português, Stefano, que trabalha a dois metros de distância dele, respondeu (também via FB) “Olha, a namorada de Isaac sabe falar Português.” E Isaac vive em Camperi, a poucas centenas de metros da casa de Simone, a quatro quilômetros de Alcatraz!
Convidamos Johara para almoçar e descobrimos que ela viveu por muitos anos em Moçambique. Incrível! E quando dissemos que teríamos que organizar uma expedição para Palma, ela disse: “Palma! Fantástico! Meu irmão vive em Palma.
Bem, as coincidências auspiciosas estavam todas presentes!!!. Tinha chegado a hora de “colocar a mão na massa”!
