“O homem é absolutamente livre: ele não é nada mais do o que ele faz na sua vida, ele é um projeto”
Não é fácil para mim dizer a minha história, talvez porque ninguém nunca me pediu para contá-la.
Eu nasci em uma família pobre e a partir do que sempre disseram-me o 15 de janeiro.
Minha vila chamava-se Nacaca e estava no distrito de Ancuabe-Mesa, em Moçambique.
Os anos de minha infância foram marcados pela guerra entre a Renamo e a Frelimo. A guerra espalhava-se no país, os tiroteios foram ficando cada vez mais perto das vilas e os nossos medos estavam cheios de sangue. Quem viveu esses medos vai traze-los dentro de si para sempre.
O perigo da violência dos bandidos estava em cada lugar, mas sobretudo era perigoso sair da vila e ir na machamba para recolher os vegetais. A minha tia foi surpreendida por os bandidos mesmo quando estava na sua machamba.
Minha mãe estava no campo com ela, notou a chegada dos homens com armas, chamou-a, mas ela não ouviu.
Minha mãe escapou. Ela foi morta com a criança que trazia no ventre.
Eu me lembro de quando minha mãe e meu tio voltaram para a vila com o seu corpo, os choros e lamentações deles e dos habitantes da vila. Essa era uma guerra forte e os olhos de nos crianças viam tudo, os nossos ouvidos estavam cheios de sons assustador e dolorosos.
Depois de esse luto nos mudamos para uma vila próxima.
A vila era guarnecida e coberta com uma feticeria tradicional. Quando os bandidos passavam para a vila não viam as casas mas as montanhas e colinas e nenhum de nós habitantes estava em perigo.
Nós na vila estávamos protegidos, mas o perigo estava sempre na emboscada fora nos campos que eram sempre menos cultivados. E muitas vezes nos faltava a comida.
Mas as crianças são sempre crianças, mesmo em tempo de guerra, sempre encontram formas e espaço para o jogo.
Lembro-me da caça dos grilos, aqueles grandes que estão de baixo da terra. Desencovavam-los e depois todos juntos, meninas e meninos, cozinhávamos-los… jogamos e nós nutríamos !!!
Em 1992, com os acordo de Roma, a guerra terminou. Que alegria, que emoção! Foram dias e meses de celebrações nas aldeias. Também porque logo chegaram as ajudas humanitária da ONU. Cada família teve ferramentas para trabalhar os campos, produtos alimentares (chamamos-lhes produtos de emergência) e dinheiro. A fome se foi e a vida retornou.
Entretanto eu tinha começado a escola. Eu gostava de estudar, era curioso e queria aprender coisas novas. Eu aprendi com o desejo de aprender. Eu era pequeno, mas já tinha percebido que se eu estudasse poderia para sempre deixar a pobreza para trás.
Para nós, pessoas da vila, estudar significava também sair de casa, deixar os afetos conhecidos e ir para o colégio. No final da quinta classe meu tio matriculou-me na escola de Mariri.
O colégio era lindo, era rodeado por três lagos e perto estava o hospital. A vida interior era bem organizada: houve o tempo de trabalho, estudo, esporte. Havia sempre o pequeno-almoço, almoço e jantar. Algumas vezes acontecia que a comida acabasse e tivéssemos que esperar a chegada do MIA, o Programa Mundial de Alimentos. A paz finalmente chegou, mas a economia ainda estava sofrendo as consequências do conflito.
Aos 14 anos, o grande salto: o tio me quer perto de si em Pemba, e matriculou-me na escola 16 de Junho.
O nome do meu tio, que me apoiou na minha vida estudantil, é Pedro Antonio Francisco Muipia.
Nunca vou poder-lo esquecer e vou agradecer-lo para sempre.
Aos 14 anos se têm a vontade de saber sobre a vida, se têm a vontade de ter nos olhos novos mundos e o que têm de melhor do que viver em uma cidade?
Meu exórdio na nova escola foi grandioso: o primeiro teste que o professor nos deu na sala de aula, logo entreguei a tarefa quase exata!
Eu tinha estudado o assunto no ano passado, mas tive o cuidado de não dizê-lo e deixar que o professor elogiasse a minha inteligência excepcional.
Meus colegas não foram da mesma opinião: “como é possível que alguém que vem da mata seja tão inteligente? Necessariamente tem que ser o trabalho de um feiticeiro.”
No entanto, apesar dessa desconfiança inicial, entre os meus colegas fiz logo muitos amigos porque eu lhes ensinava a estudar bem.
Eu me formei com honras e sou levado para a escola técnica, a mais importante.
Tudo bem, então: com tenacidade e determinação que eu consegui a fazer da maneira que a minha vida não seja mais percorrida por uma estrada de terra empoeirada, mas por uma linda e agradável estrada pavimentada…mas em vez não!
Após o terceiro ano do ensino médio o tio já não tinha o dinheiro para manter -me economicamente os estudos. Estar ou não estar na escola secundária não é uma questão de inteligência, mas de dinheiro… e eu não possuía dinheiro.
Então assim deixei a escola e comecei a cuidar dos negócios. Compro a farinha de milho na vila, a revendo aos pescadores de Pemba, pego por eles o peixe que depois o revendo na cidade.
Os negócios estão indo muito bem, amplio o negócio e preparo também uma pequena cantina/banca (ou bar como vocês o chamam) na Escola Secundária de Pemba.
Mas cada vez que eu encontrava os meus velhos colegas, que continuavam a freqüentar a escola secundária, a ferida do abandono da escola reabria-se.
Fiquei triste, desanimado, mas também muito irritado com a injustiça sofrida.
Assim, a minha ambição prevaleceu: decidi parar de incrementar o meu negócio e o dinheiro que eu ganhava coloquei-lo de lado para retomar os estudos.
Aos 22 anos tomo a coragem e volto para o colégio. Me inscrevo na escola pedagógica: vou tornar-me um professor, eu vou aprender a trabalhar com a comunidade.
É uma escolha escolar e profissional condicionada pelas condições econômicas, mas para mim, ainda foi uma ótima escolha, pois foi o resultado de minha determinação.
E depois, dia após dia, chegamos ao 16 de fevereiro de 2003… naquele dia encontro a Carlota e, logo que acordo, continuo a encontra-la todas as manhãs.
Nosso relacionamento já passou vários testes, o mais doloroso para mim foi quando eu traí-la.
Ela descobriu, encaro a menina e entre as duas foi uma luta de boxe real. Intervim para separá-las, assustado: pararam de bater-se entre eles, mas começaram a encher-me de porradas.
Eu saí dolorido, machucado mas seguro da escolha; Carlota era a mulher da minha vida!
Depois da escola nós atribuíram dois localizações escolares diferentes e distantes. Foi um momento muito difícil para nós, a noite antes da partida a passamos chorando, abraçados.
Sim, eu sei, para aqueles que me conhecem fica um pouco difícil imaginar-me no papel do apaixonado choroso mas eu, mesmo se consigo escondê-lo bem, sou muito afetuoso!
Querem saber como isso acabou? Graças a intervenção do meu tio, Carlota foi transferida para Palma, onde eu estava. Agora tornou-se a diretora de uma escola de Palma.
Eu enquanto ensinava fui chamado pela Direção do distrito para cuidar os eventos culturais.
No princípio eu recusei, eu disse: “deixem-me trabalhar com os alunos, tenho muitos projetos a serem realizados com eles“.
Mas, em 2008, no final eu aceitei a proposta e agora eu tenho a função de Chefe do Departamento de Cultura Juventude e Desporto.
Também me matriculei na Faculdade Católica do Moçambique. Estou a fazer um curso a distancia para obter o grau de licenciatura na língua portuguesa.
Ainda continuo a ter na cabeça um monte de projetos a serem realizados. Querem saber as últimas? Um centro de formação teatral para os nossos rapazes/raparigas.
Vou conseguir? Lembram-se que eu vos disse que eu sou um determinado e ambicioso.
Obrigado
Adelino Cuba